Esta é uma altura do ano em que os pobres são mais lembrados. Pobres, que são cada vez mais em Portugal e no Mundo. Vivemos num mundo profundamente injusto em que a pobreza e as desigualdades sociais crescem a olhos vistos, fruto da sociedade do lucro e do dinheiro em que vivemos. O fosso entre ricos e pobres não pára de aumentar, estando a riqueza cada vez mais concentrada nas mãos de cada vez menos pessoas. A cada dia que passa morrem 50.000 pessoas em todo o mundo, de pobreza extrema.
Estamos a chegar ao Natal. O movimento das ruas aumentou. As lojas enchem-se de pessoas que entram, fazem as suas compras e sorriem, dando a ideia de que está tudo muito bem… quando não me parece que esteja. Não me parece que esteja, porque muitas pessoas correm o risco de passar um Natal muito triste. Um Natal pobre e sem alegria, enquanto outros têm um Natal de luxo com mesas recheadas e prendas caríssimas.
De um lado o inútil e o supérfluo; do outro a fome, a miséria. Uns podres de ricos, outros a morrerem à fome. É tempo de olharmos para dentro de nós. Não podemos ficar indiferentes ou ignorar esta pobreza que parece irreversível e que se alastra a olhos vistos. Há que falar e alertar para uma moral social.
Encontramos hoje muita miséria disfarçada e envergonhada. Lembramo-nos da pobreza na quadra natalícia...mas ela existe todos os dias do ano!
Por tudo isto, qual será o lugar que têm os pobres neste Natal?
Quando temos algum tipo de necessidade, mesmo que as vezes achamos difícil de resolver, tomamos as rédeas da situação, saímos em busca de um meio para solucionar, assim; Quando temos sede de água, tomamos para satisfazer nossa vontade; Quando temos fome, fazemos algo para comermos; Quando possuímos um veiculo, não deixaremos acabar seu combustível, pois, se isso acontecer o mesmo não andará e para... evitar, iremos até um posto de combustível para abastecê-lo; Quando recebemos nossa conta de consumo seja de água ou de energia elétrica, sabemos que temos que efetuar o pagamento, se assim não o fizermos, provavelmente ficaremos no escuro e sem água; Quando alguém de nossa família é maltratada não importando a forma, tentaremos a todo custo uma auto defesa; Quando pessoas queridas, passa por dificuldades, principalmente doença, transpomos quaisquer obstáculos para tentar ajudá-lo, etc...
E assim, somos nós, preocupamos somente em solucionar as dificuldades que no momento estão nos incomodando, não ficamos inerte esperando que caia do céu a ajuda para nossos problemas, vamos a busca das soluções, sem que para isso, tenhamos que ficar na dependência de alguém para nos ajudar e resolvemos de alguma forma.
Dedicamos com muito afinco em nossas defesas próprias, agora, porque não agimos da mesma forma para fortalecer nossa comunidade, buscando meios que possam a ajudar a melhorar nosso CONCELHO, nossa cidade, para tentar melhorar a situação dos que na rua vivem, cobrando de nossas autoridades, medidas concretas para a solução de determinados problemas, arregaçar as mangas e fazer o que nós for possivel a favor de quem necessita de nós ¿
Muitos dirão: esse trabalho não cabe a nós fazermos, é papel do Presidente, primeiro ministro, Vereador, Juiz de Direito, Promotor de Justiça e do Delegado de Policia etc., é um tremendo engano pensar assim, nossa colaboração é de fundamental importância, pois, poderemos ajudar a transformar a sociedade em que vivemos e melhorar a qualidade de vida de nossa cidade, agora se ficarmos de braços cruzados, com certeza, os resultados que anseiamos provavelmente não será alcançado, assim, não adiantará nada reclamar, pois, deixamos nossa parte sem fazer.
P- Qual seu nome, estado civil e número de filhos?
R- Daniel horta nova, Divorciado, Tenho 3 filhas!
P- Qual sua idade e quanto tempo viveu nas ruas?
R- Tenho 51 Anos, vivi na rua durante 4 anos!
P- O que o levou a viver nas ruas?
R- Uma sociedade profissional mal calculada...
Um sócio que me roubou, burlou e fiquei sem nada.
O que originou a minha queda mental, e perda de força para enfrentar tamanha perda!
P- Qual a reação de sua Família, quanto ao facto de ter se tornado um Sem-abrigo?
R- Não houve reação, sempre os protegi, afastando-me e escondendo a situação a toda a família!
Só tomaram conhecimento passados 4 anos, estava eu já de saída da rua!
P- Tem algum vício ?
R- O meu vício é o tabaco!
P- Adquiriu problemas de saúde pelo facto de viver nas ruas?
R- Felizmente não, mas corri grandes riscos de adquirir uma qualquer doença, na rua não temos acompanhamento médicos e quando recorremos ao hospital, somos tratados como seres diferentes da raça humana!
P- Recebia apoio de alguma instituição ou segurança social?
R- Durante o tempo que vivi na rua nunca tive qualquer apoio da segurança social, tive o apoio de uma instituição, que me alimentou durante todo o tempo, e me tratou como gente! Falo da instituição “Coração da Cidade”
Recorri á Associação dos Albergues Noturnos do Porto, pernoitei lá alguns meses, os piores meses da minha vida enquanto sem-abrigo!
Porém, existiam carrinhas de apoio ao sem abrigo durante a noite, que nos davam um leite quente e alguma roupa, que não eram associações!
P- Havia alguém em particular que o auxiliasse?
R- Não!!!
Mas com o decorrer do tempo, fui conhecendo gente maravilhosa, que fazem hoje, parte do meu ciclo de amigos!
P- Como era o seu dia-a-dia?
R- Era passado, a vaguear em direção do nada!
P- Quais os meios utilizados para fazer sua alimentação e sua higiene pessoal ?
R- A alimentação era como em cima falo. Coração da Cidade e carrinhas á noite!
A higiene pessoal é uma carência existente na rua!
Como é possível um sem-abrigo querer tomar o seu banho num balneário municipal e ter de pagar 36 cêntimos se tiver toalha, se quiser uma toalha teria de pagar 1.16euros.
P- Algum dia pensou viver em uma instituição?
Pensei!
Mas qual é a instituição que me acolhe e me trata como ser humano?
As associações que se dizem de apoio ao sem-abrigo, existem mas não se veem!
P- Sentia muita discriminação por parte das pessoas?
R- Descriminação, exclusão, humilhação e muito mais!
Agora...? quem são as pessoas...?
A descriminação a exclusão e a humilhação, começa dentro das instituições!
P- Como vê as instituições que os apoiam, o que falta para melhorar?
R- Para melhorar falta, mudar mentalidades, de quem gere e trabalha nas instituições!
O sem abrigo é um grande negócio em Portugal, não interessa muito melhorar nada, os números são importantes!
É preciso manter as pessoas na rua, ajuda-se uma pessoa e vão com ela para a comunicação social, pra dizerem que funcionam!!!
P- O que acha que deveria ser feito para mudar a situação dos Sem-abrigo na sociedade?
R- Vontade politica em primeiro lugar. Repito: Não é de interesse politico e não só tirar muita gente da rua! O negócio está montado!!!
P- Quais São os principais “pesadelos” de quem se encontra nas ruas?
R- Tudo o que se possa imaginar como pesadelo!
Lida-se com todo o gênero de pessoas, pisamos diariamente chão minado!
P- O que o Motivou a sair das ruas e porque ?
R- O motivo maior foi a minha vontade de ajudar a salvar algumas pessoas da rua, e também porque sempre acreditei que seria possível sair de lá!
P- Qual foi a maior dificuldade encontrada para poder reintegrar se no meio social?
R- Pertinente esta pergunta. Viver na rua é muito mau, cair lá é fácil, sair de lá é muito difícil!!!
Se não houver uma preparação para a saída, é meio caminho para a recaída.
Há um estigma que nos acompanha, daí vem a necessidade de uma ajuda psicológica, no meu caso eu pedi ajuda médica, para o melhoramento da minha saúde mental. O que é muito importante para adquirir a estabilidade no regresso á sociedade!
P- Quais as experiências boas e más acrescentadas em sua vida, vivendo como sem abrigo ?
R- No meio do sofrimento, só consigo falar das coisas boas!
Ter sido sem-abrigo acrescentou muitas coisas boas á minha vida!
Fez de mim outro homem, um homem mais justo!
Conheci pessoas, que de outra forma não nos tínhamos cruzado, pessoas lindíssimas, maravilhosas.
Só por isto, supera tudo o que de mau vivi!
P- Após deixar as ruas teve alguma recaída, voltaste novamente a viver nas ruas, se a resposta for sim, diga-nos porque ?
R- Não!!!
Mas nunca mais deixei de ir á rua, na tentativa de ajudar que lá ficou!
P- Existem pessoas que acreditam que ser sem abrigo é apenas uma opção de vida, concordas com esta teoria, porque ?
R- Sei que essa é uma ideia generalizada.
Mas essa é a ideia da ignorância!
Ninguém está na rua porque quer, ou por opção de vida, ou outra asneira qualquer que se possa dizer.
As pessoas estão há anos na rua, não é que não queiram sair, permanecem por lá, porque ainda ninguém lhes mostrou uma saída, as pessoas já não acreditam em ninguém estão fartas de serem usadas e enganadas.
E há tantos anos na rua, a saída dessas pessoas é um processo trabalhoso e cuidadoso, mas os técnicos, os entendidos, todos os dias ás 4 ou 5 horas da tarde vão para suas casas... enquanto mais uma noite passa pelo corpo de uma pessoa que fás parte dos números necessários a esses técnicos entendidos!!!
P- Depois de ter passado por tudo isso como se sente?
R- Bem!!!
Muito Bem!!!
P- Como superar a falta de força, coragem e tristeza que eu creio existir nas pessoas sem abrigo?
R- As pessoas sem-abrigo, são pessoas tristes sim, coragem não creio que tenham pouca, é preciso muita coragem mesmo para suportar tanta dor,
Falta de força, acho que também não existe, pelo contrário é preciso ter muita força para se viver no submundo da miséria.
P- Quais são seus objectivos para o futuro ?
R- Ser FELIZ!
Serei feliz sempre que me sinta útil na ajuda aos outros!
Óbvio que tenho objetivos pessoais e profissionais!
P-Qual a importância de um sorriso para os Sem Abrigo?
R- Vale mais um sorriso sincero, que um pão ou uma moeda!
P- Acreditas em Deus?
Acredito!
Por vezes dou por mim a questionar-me, porque será que Deus por vezes é injusto?
"Não se mede o valor de um homem pelas suas roupas ou pelos bens que possui, o verdadeiro valor do homem é o seu caráter, suas idéias e a nobreza dos seus ideais."
Na minha opinião o respeito primeiro é uma questão de educação, depois de obrigação, se quer ser respeitado, seja o primeiro a respeitar.
Independentemente de crença, de raça, de sexo, de posição social, de condição econômico-financeira, de cultura, e até mesmo de idade, em verdade, todo ser humano merece respeito.
Lamentavelmente, nem sempre tem sido assim, uma vez que continuam a prevalecer em nosso meio, em nosso planeta Terra, o orgulho e o egoísmo, sem dúvida alguma as duas maiores chagas da Humanidade.
Recorrendo ao dia-a-dia, desde logo veremos como ainda é forte a presença do egoísmo e, por conseguinte, da falta de respeito ao semelhante.
E é facílimo concluir que todos querem ser respeitados, tanto assim que o brocardo popular diz que "respeito é bom e eu gosto". Todos gostam.
Se assim é, de todo conveniente que perguntemos: o que será preciso fazer para introduzir o respeito entre nós, de modo generalizado?
Penso ser indispensável que cada um enxergue no próximo um irmão e faça a ele o que gostaria que ele lhe fizesse, respeitando-o sempre, quaisquer que sejam as circunstâncias, os factos e a situação.
Será excelente se conseguirmos nos colocar com exatidão no lugar do outro, procurando pensar como ele, em melhores condições de entendimento, portanto, particularmente no que tange ao modo como desejaríamos ser tratados.
É claro que esse aprendizado é lento e há de ser alcançado de maneira gradual, com o emprego de nossa vontade férrea de acertar e com os formidáveis recursos da disciplina e da determinação para alcançar esse desiderato
Sempre fomos pobres... tudo o que parecia na verdade nunca foi. Actualmente temos uma visão diferente da pobreza. Temos a oportunidade de fazer comparações com outros países, de comparar dados existentes no nosso país devido à maior abertura. Esta situação actual de pobreza que se generaliza está contida nos incentivos desajustados que as políticas globais proporcionam. A abertura aos créditos para compra de casa que foram incentivados com a redução de casas disponíveis para alugar, a especulação do arrendamento, a publicidade, a redução excessiva das taxas de juro, o espalhar de ajudas comunitárias e a não aplicação devida das mesmas, etc. No fundo, incluíram-nos numa teia que, sem darmos conta, já lá estávamos. No nosso caso em particular, surgimos de um nada que de repente se vê com tudo. Surgiu uma nova geração de classe média, mal estruturada e desprevenida. Perde-se o emprego. Vendem-se os bens que temos em casa para fazer face às despesas correntes, passado pouco tempo deixa-se de pagar a casa, fica-se sem gás, sem electricidade e por fim sem água. Quando já nada se tem, o banco vem buscar a casa. É o fim de uma história simples pois já sabemos que os alimentos foram os primeiros a estar em causa. Como dizer a um jovem que teve tudo, que a partir de amanhã nada terá? É duro para os pais admitirem esta realidade mas quem mais sofre serão as crianças e os jovens. Se estão lembrados, nos anos 80 a crise no nosso país era semelhante. Não havia trabalho e o que existia era demasiado incerto. Não existiam compras de casa pois só se aventurava nisso quem estivesse a trabalhar para o estado, emigrantes e aqueles que sacrificaram grandes poupanças. Tudo tinha casa alugada. Ninguém estava preparado para estes desafios das comparações entre o vizinho e o familiar e atingir o mesmo "estatuto" social aparente. Foi muito o que contribuiu para o fosso em que estamos hoje. Fomos com muita sede ao pote da Europa. A verdadeira exclusão social começa agora. A vergonha de ser pobre, afecta psicologicamente e vai dar mau resultado. Já que os pobres superam os ricos em número, dar as mãos para que surja uma nova comunidade que prospere a partir do nada e que juntos se organizem e sirvam de exemplo e força de sobrevivência. Que depois de tudo isto, surja um novo pensador com ideais mais justos e em equilíbrio constante com todas as políticas. Se para isso tivermos que desistir do projecto "União Europeia"... que assim seja !
Daniel Horta Nova, uma pessoa que tem todo meu respeito e admiração.
A curva apareceu sem eu contar, pois era uma estrada que até então desconhecia, que surgiu de repente, diminuindo a alta velocidade com que sempre vivi. Despistei-me nessa curva da vida, numa curva sem protecção em que eu caí na rua. Entrei na vertigem negra do abismo. Para trás ficou uma vida empurrada pela ilusão de que a viagem seria curta. Na procura de um abrigo protector das noites gélidas, encontrei um quarto enorme, cobrindo-me com a exclusão social. Não foi muito o tempo, foi apenas o suficiente para que conseguisse ver mais do que nunca, que o Sem-Abrigo é um negócio que alimenta e engorda muita gente. Comecei então a dura caminhada, com a minha capacidade impotente de suavizar a dor, em busca de uma porta aberta. Desde então, não houve mais sol, o nevoeiro desmanchou os meus sonhos ao ver que as portas se encontravam todas fechadas. O Sem-Abrigo que diariamente caminha para lugar nenhum, torna-se um ser estranho aos olhos da sociedade!
E o que nos resta, afinal? Não há um projecto de reinserção social. Acabem com as associações fantasma... Existem mas não se vêem. A roupa que dão a essas associações não chega às nossas mãos... É vendida!!! Um simples banho, num balneário municipal, custa-nos 32 cêntimos (sem toalha), com toalha custa 1.16 euros. Os cegos eleitos por nós, que venham para a rua ver a verdade nua e crua. Devolvam-nos a possibilidade de nos alojarmos no nosso sonho inacabado. Sonho que nenhuma noite fria se atreve a destruir, a maior dor é o acordar de um sonho. Tal e qual como no dia de todas as ilusões... O tudo e o nada complementam-se. Pois nada tenho, vivo na rua, mas tenho tudo para reconquistar o meu mundo... A vontade!...
Daniel Horta Nova
Fernando Santos.
"PIAS" - "Plano Integrado de Apoio e Ajuda Social" - é um "Projecto piloto" que tem de ser posto em prática (por exemplo, numa dada comunidade paroquial ou de freguesia, para ver qual o resultado...) e consiste em parcerias multidisciplina...res ( uma Instituição credível da sociedade civil ou de qualquer Movimento Religioso que "desse a cara" e assumisse a liderança e coordenação do projecto, conjuntamente com,técnicos de assistência social, psicólogos, orientadores em técnicas comportamentais e de ciências humanas,autarquias, Deco, etc) e... estas parcerias, tinham como finalidade, para além de "dar o peixe" "dar a cana e ensinar a pescar".
Há gente que precisa de ser orientada em termos de gestão da economia doméstica; de ser formada na forma como se deve apresentar a uma entrevista para um emprego; de ter orientações em termos de valorizar a auto-estima e a mentalidade positiva; de ganhar maneiras de se prestigiar e credibilizar perante o juízo ( por vezes implacável) que a sociedade manifesta!...
Ora, se essa "Entidade Credível, Líder e Coordenadora do Projecto" passasse aos participantes e utentes do "PIAS" um "Certificado de Frequência, Formação e Aproveitamento", esta seria uma maneira de "ABRIR PORTAS" criando-se, inclusive, no seio dessa comunidade,(Freguesia ou Paróquia) uma "Bolsa de Trabalhadores Disponíveis" , os quais, "Certificados pela tal Entidade", prestariam trabalho para a Comunidade,ocupando-se e ganhando, consequentemente, de acordo com o trabalho desenvolvido.
Aqui fica a ideia que precisa, naturalmente, de ser trabalhada e desenvolvida e para a qual estou disponível para dar a minha contribuição!...
Precisamos de um "núcleo de pessoas" com perfil e características para "agarrar" este "PIAS" e metermos mãos- à- obra!...